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10 de Julho 4H:31
COTIDIANO | Por Max Augusto

Trabalho infantil cresce em Sergipe

Aracaju e Itabaiana são os municípios com maiores índices. Pesquisa mostra a ‘espacialização’ do trabalho infantil no campo e na cidade

O trabalho infantil está longe de acabar. No campo e na cidade, meninos e meninas menores de idade são sujeitos a trabalhar para ajudar os pais com as despesas familiares.

Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad 2016), do IBGE,1,8 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos exercem atividades laborais no Brasil. Em Sergipe, o número chega a mais de 47 mil.

 

Em 2014, o estado ficou em segundo lugar no ranking que leva em consideração as taxas de crescimento do trabalho infantil no país.

De acordo com o Pnad, a incidência de trabalho infantil em Sergipe passou de 7% em 2013 para 10,4% em 2014. A maioria dos trabalhadores é do sexo masculino, residente no campo e na cidade, atuante principalmente na agricultura, comércio e serviços.

 

O trabalho infantil no campo tem características um pouco diferenciadas em relação ao da cidade. Tentar entender essas diferenças foi o que levou Rafaela Santos a realizar sua dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFS.

Sua pesquisa teve como foco a cidade de Aracaju e a zona rural de Itabaiana, por estarem entre os municípios com maior concentração de trabalho infantil no estado.

Ao fazer o trabalho de campo, a pesquisadora identificou o perfil do trabalho infantil na cidade e no espaço rural. Ela pretendia caracterizar quem são os atores sociais, quais atividades realizam, qual a renda média adquirida, dados referentes à educação e o que levou essas pessoas a se inserirem no mundo do trabalho tão precocemente.

“Na cidade, as crianças e adolescentes trabalham muito nas feiras livres, com uma jornada maior do que no campo. Dentro da jornada de trabalho que encontramos em Itabaiana, por exemplo, 45% trabalhavam entre 1 e 5 horas. Já na cidade de Aracaju, algumas trabalhavam mais 16 horas na feira”, diz Rafaela.

Segundo Josefa de Lisboa, orientadora do trabalho, houve a preocupação em fazer algumas leituras para compreender melhor o trabalho no campo.

“Exploramos um conjunto de fatores para entender o que é ser camponês. Com isso, compreendemos que o trabalho da criança na roça é muitas vezes um trabalho acessório, auxiliar à família, com cargas horárias não tão altas. Evidentemente, todo trabalho realizado em qualquer espaço rural ou urbano tira o tempo do lazer, mas, nesse caso, também demanda um cotidiano de aprendizagem”, pontua a professora.

Também foi observado que a defasagem escolar e a violência são maiores na cidade.

Entrevistas realizadas pela pesquisadora mostram que 59% dos pequenos trabalhadores das feiras livres da cidade (Aracaju) já reprovaram de ano pelo menos uma vez, e 45% dos entrevistados afirmaram não mais frequentar a escola.

Já os entrevistados no campo, apesar de 42% já terem reprovado pelo menos uma vez, todos informaram que estudam.

Na cidade, as crianças acabam perdendo mais aulas, abandonando e reprovando muito mais. E a gente nota também que no campo elas vão ao turno oposto. Em relação à violência, as crianças da cidade são muitas vítimas do assalto, das brigas de ruas. No campo, a violência tratada lá é de outra forma”, conta a pesquisadora.

Em sua pesquisa, Rafaela relata que a violência no campo está relacionada a exposição excessiva ao sol e às broncas e xingamento dos “patrões”. 13% dos entrevistados afirmaram sofrer um tipo de violência.

O êxodo rural também está presente nessa realidade, segundo Josefa de Lisboa. Grande parte dos jovens, em virtude da ausência de uma política pública para a permanência do camponês na roça, vão para a cidade. “Então aparece como melhor [oportunidade] ele vir para a cidade, ter um salário mínimo. Devido a isso, há uma ideia de que morar na cidade garante melhor condição de vida”, explica.

Para combater essa mobilidade e manter a população no campo, já que são os camponeses que majoritariamente produzem os alimentos no país, a orientadora diz que é preciso que a criança aprenda a fazer, a gostar e compreenda que se ela não se mantiver no campo – nas condições adequadas -, a produção de alimentos pode ser comprometida.

Combate ao trabalho infantil

Sergipe não possui nenhum programa ou projeto permanente de enfrentamento ao trabalho infantil.

No país, a principal política pública era o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), que oferecia atividades culturais e de aprendizagens a crianças de 5 a 17 anos e remuneração mensal para suas famílias. Mas foi substituído pelo Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vinculo (SCFV). Para Rafaela, ele não é tão eficaz como deveria.

“Antes, as mães das crianças que frequentavam a jornada ampliada do PETI recebiam uma quantia para mantê-las na escola. Mas hoje foi absorvido pelo SCFV, que não tem o destino de rendas para as famílias e as crianças não são obrigadas a participar”, relata a pesquisadora.

O serviço lida diretamente com o público envolvido com trabalhoinfantil. Porém, ao observar os dados dessas crianças dentro do serviço no estado de Sergipe, a pesquisadora percebeu que são poucas as que participam.

“Em Aracaju, por exemplo, o número de crianças e adolescentes chega a mais 4 mil. Mas apenas cinco frequentam o serviço. Então não tem a contrapartida, não tema ajuda financeira, que era pouca, mas de alguma maneira ajudava”, diz.

Na opinião de Josefa, a extinção do trabalho infantil pressupõe a garantia de condições de reprodução social das famílias do campo e da cidade. “Mas o quadro político no país tem anunciado uma piora, sobretudo para as famílias mais pobres”, opina.

De acordo com Rafaela, a ausência de financiamento, a reduçãode crédito para o campesinato ea crise do desemprego são alguns dos fatores que implicam em colocar mais crianças no mercado de trabalho. No campo, o uso da força de trabalho infantil é mais utilizado para a produção da subsistência da família. Na cidade, a situação das crianças e adolescentes é mais grave, uma vez que eles desempenham funções, na maioria das vezes, longe dos olhares da família, sujeitos a todo tipo de violência e degradação.

Para saber mais

A dissertação está disponível na íntegra no Repositório Institucional da UFS, clicando aqui.

 

Por Ascom/UFS

Fernanda Roza (bolsista)
Marcilio Costa
comunica@ufs.br

Foto: André Moreira/JC

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